Minha lembrança
mais remota da Towner data de uma época, em meados da década de 1990, onde o
transporte alternativo aos ônibus municipais estava em seu auge na região
metropolitana do Rio de Janeiro. Dezenas e mais dezenas de vans oriundas do
extremo Oriente disputavam espaço e passageiros com os tradicionais ônibus
urbanos. Tinha Hyundai H100, Mitsubishi L300, Asia Topic, Kia Besta e aquela
outra pequenininha, a Asia Towner.
Asia Towner 1998 (foto: acervo do autor) |
Justamente a Towner, que eu, na época com
uns cinco ou seis anos de idade, detestava embarcar. Para mim, era o “carro de
ET”. Meu problema não era com a aparente fragilidade, falta de espaço e/ou
morosidade para enfrentar subidas quando ela andava apinhada de gente. O ranço que
eu tinha com a Towner era puramente uma questão estética. Curta, estreita e
alta. Exatamente a antítese de um Chevrolet Omega ou de qualquer Mercedes da
época em que não existia Classe A. Soma-se ao visual desengonçado causado por
suas três dimensões, o teto alto, que parecia um cocuruto e as minúsculas rodas
aro 12. Pronto, quantas vezes criei birra para não querer entrar no tal “carro
de ET”.
Vinte anos se
passaram desde aquele meu primeiro contato com as Towners. Porém, elas
continuam onipresentes na minha vida e muito provavelmente na dos leitores.
Basta o leitor puxar nas suas memórias quantas e quantas vezes a Towner esteve
presente em alguma ocasião. No meu caso, fiz um trabalho de inglês para escola
que consistia em encenar para um pequeno filme. Umas das cenas era um diálogo
dentro de um carro. E qual era o carro? A Towner! Lembro-me também de quando fazia
o trajeto costumaz casa-escola com minha bicicleta. Num belo dia, presenciei a
cômica cena de uma Towner dobrar uma esquina e em seguida caírem diversas
porcas e parafusos no chão, exatamente como num desenho animado. Eram os
parafusos do eixo cardã, que se desprenderam da caixa de marchas, cortando na
mesma hora a ligação do motor com as rodas motrizes. Por fim, havia as Towners
na rua da faculdade, que vendiam cachorro-quente e hambúrguer. Das três, apenas
uma funcionava, pois era o transporte pessoal do rapaz que vendia
cachorro-quente. As outras tinham vaga cativa.
Asia Towner 1998 (foto: acervo do autor) |
Em algum momento
dos nove semestres frequentando a faculdade, vendo aquelas Towners quase todos
os dias, passei a me perguntar qual era a história e os detalhes técnicos
daquele carrinho valente, mas que, convenhamos, nunca deixou de ser feio. Achar
informações dela não foi fácil. Não há manual do usuário, manual de reparos ou
catálogo de peças deste modelo disponíveis na internet. Também não há um fórum
ou clube de proprietários da Towner aqui no Brasil ou no exterior. Pudera, a
Towner é a síntese do carro descartável. Um veículo para fins comerciais, feito
para ser usado até estragar e outro automóvel poder ser comprado em seu lugar.
Não há, salvo raríssimas exceções, ligação emocional entre uma Towner e seu
proprietário. Não há mais nem mesmo a Asia Motors, que sucumbiu à crise
asiática de 1997.
Asia Towner 1998 (foto: acervo do autor) |
A fabricante da
Towner, a Asia Motors, surgiu em 1965. Já em 1976, a companhia foi incorporada
à Kia Motors. A Asia ficou encarregada de produzir veículos para fins
militares. Com mudanças ocorridas nas regras para atuar no mercado automotor
sul-coreano em meados da década de 1980, a Asia Motors se preparou para atuar
no mercado de veículos comerciais. Consequentemente, foram lançados veículos de
diversos tamanhos como ônibus, micro-ônibus, van e microvan. Em 1990, a Asia
assinou um acordo de cooperação tecnológica com a Daihatsu para fabricar o
Hijet sob licença. No dia 01 de maio de 1992, a Asia Towner foi lançada no
mercado sul-coreano.
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propaganda sul-coreana da Towner (foto: naver.com) |
A Towner era, em
tese, nada mais, nada menos, que uma cópia autorizada do Daihatsu Hijet, tal
como o Lada Laika era uma versão licenciada do Fiat 124. A vanzinha coreana
tinha um engenhoso projeto oriundo do Japão, desenvolvido ao longo das sete
gerações do Hijet, lançado em 1961. A Towner baseia-se na geração S80 do Hijet,
lançada em 1986. Havia diferenças cosméticas entre os dois modelos, tanto no
lado externo, como o acabamento entre os faróis, como no lado interno, caso do
painel.
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Monobloco de uma Towner, mas que poderia facilmente ser confundida com o de um Daihatsu Hijet. (foto: mercadolivre.com.br) |
Assim como a
Asia Motors, a italiana Innocenti também havia fechado um acordo com a Daihatsu
para o produzir o Hijet de sétima geração. O modelo europeu se chamava Innocenti
Porter, tendo posteriormente mudado o nome para Piaggio Porter. O projeto do
Porter sofreu diversas modificações com o passar dos anos, e ainda continua sendo
fabricado. Mudanças incluem reestilizações cosméticas, motores diesel e
elétrico e eixo traseiro modificado na versão truck, para aumentar a capacidade
de carga.
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Piaggio Porter Eletric (foto: divulgação) |
O motor da
Towner também é de origem Daihatsu. Designado CD800, o motor de 796 cm³ deriva
da família C, tendo, no entanto, aplicação exclusiva à Towner, já que os
motores desta série oferecidos pela Daihatsu até então deslocavam 847cm³ ou
993cm³. O motor, com bloco de ferro e cabeçote de alumínio, tinha duas válvulas
para cada um dos três cilindros e era instalado com grande inclinação, quase
deitado, para se adequar ao projeto da van. O acesso ao motor se dava pelo interior do habitáculo, rebatendo os bancos dianteiros. Havia variantes deste motor com
cabeçote de quatro válvulas por cilindro e turbocompressor, geralmente
aplicados no Daihatsu Charade.
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Motor CB-80, de um Daihatsu Charade (foto: ebay.uk) |
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Motor CD800, de uma Towner. Note as semelhanças no design das galerias de óleo e água com o motor da foto acima. (foto: mercadolibre.pa) |
A potência declarada pela Asia Motors era de 40
cv a 5600 RPM e 6,0 kgfm de torque a 3600 RPM, capaz de levar a van a até 112,5
km/h. Nos primeiros anos de fabricação, o motor era alimentado por um
carburador eletrônico. Posteriormente, uma injeção eletrônica multiponto foi
adotada. Na Coreía do Sul ainda existiu uma versão da Towner movida por LPG (Gás liquefeito de petróleo). A
potência declarada era de parcos 35 cv. No teste da revista Quatro-Rodas em
1996, a Towner cumpriu a prova de 0-100km/h em 46,54 segundos. Já a publicação
Coreana Carlife testou um modelo 2001, que cumpriu a mesma prova em 35,7
segundos.
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Suspensão do Daihatsu Hijet 1991, virtualmente idêntica à da Towner (foto: divulgação) |
A suspensão
dianteira era independente, do tipo McPherson. Já na traseira, fazia-se uso de
um eixo rígido com feixe de molas. A transmissão era manual de cinco
velocidades e a tração era enviada pelas rodas traseiras através de um eixo
cardã. O peso da versão para sete passageiros era de 840 kg. Testes da imprensa
relatam que ocasionais desvios rápidos de trajetória poderiam levar a Towner ao
tombamento. A sugestão dada era para utiliza-la na cidade, pois, sua suspensão,
aerodinâmica (Cx de 0,41) e potência do motor não eram apropriadas para uso em
estrada.
No Brasil, a
Towner foi apresentada em 1993. As versões disponíveis eram van para sete
passageiros, furgão, furgão com vidros laterais e picape, denominada “Truck”. O
preço para a van de sete passageiros era, em 1994, de 13.997 dólares e durante todo o período de venda, a Towner não teve concorrentes diretos em seu segmento no Brasil. Na Coréia
do Sul, seu concorrente era o Daewoo Damas, enquanto em outros mercados a
disputa se dava com o Suzuki Carry.
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Propaganda nacional da Asia Towner (google.com) |
A versão do
Daihatsu Hijet destinada ao mercado japonês continha opcionais interessantes,
que não foram disponibilizados na Towner, como câmbio automático, tração nas
quatro rodas e teto solar duplo em forma de domo, chamado pela Daihatsu de
“Cosmic Roof”.
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Daihatsu Hijet Atrai, equipado com o Cosmic Roof (foto: divulgação) |
Na edição de
1997 do Salão de Seul a Asia apresentou, junto com um Kia Pride, uma versão da
Towner chamada de “Classic”, numa alusão à onda retrô que estava ganhando força
no mercado japonês, que consistia em deixar carros atuais com design de modelos
clássicos. Uma reestilização visual também chegou a ser projetada para o ano de
1997, mas tanto o protótipo do salão, como a projeção, acabaram não chegando ao
mercado. Com a Crise Asiática em 1997, a Asia Motors deixou de existir. A
Towner passou a ser vendida, então, com emblemas da Kia. A produção da Towner se estendeu
até 2002, por não atender às novas normas de emissões de poluentes, que
entraram em vigor na Coreia do Sul. No Brasil, as últimas unidades foram
vendidas em 1999, ainda como modelo 1998. Carros similares à Towner só viriam a
aportar em solo brasileiro em 2007, com a chegada do Chana Family e da Hafei...
Towner! Ambos os modelos não possuem ligação com o projeto da antiga Asia
Towner/Daihatsu Hijet, pois são baseados no projeto do Suzuki Carry.
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Towner Classic, apresentada no Salão de Seul de 1997 (foto: carlife.net) |
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Reestilização prevista para 1997 (foto: carlife.net) |
Por fim, fiquem com, talvez, o video mais conhecido da Towner a circular pela internet. E claro, não tentem fazer isso com a vanzinha!