Em
qualquer roda de conversa ou canto da internet em que se fale sobre o Daewoo
Espero, haverá, invariavelmente, o comentário de que este modelo deriva da
plataforma do Chevrolet Monza. O Monza era fruto da famosa plataforma J,
utilizada em diversos carros do grupo GM em todo o mundo a partir da década de
80. Porém, sempre me chamou a atenção o fato de o Espero não ter design
semelhante ao Monza, nem mesmo se prestarmos atenção somente ao formato das
portas e vidros de ambos os modelos. Neste caso, o Espero é mais parecido com o
Vectra A, figura relativamente comum no cenário automotivo nacional. Há,
inclusive, diversas pessoas que creem que o Espero é um derivado do Vectra A.
Mas foi ao me deparar com uma foto de um Kadett E sedan, que percebi, também,
uma semelhança com o Espero. Como o Kadett sedan nunca foi oferecido no mercado
brasileiro, dificilmente lembraríamos dele ao compara-lo com o Daewoo Espero. E
foi a partir dessa estranha semelhança de perfil entre esses dois últimos
carros, que decidi investigar a origem do projeto do Espero. Nada como
investigar uma informação já consolidada e bem divulgada e ter uma grata
surpresa.
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Daewoo Espero (foto:divulgação) |
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Opel Kadett GL Sedan (foto:divulgação) |
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Opel Ascona C (foto:divulgação) |
A
conclusão da pesquisa realizada é a de que o Daewoo Espero não é derivado do
Chevrolet Monza. Não utiliza a plataforma J da General Motors, tampouco deriva
do Chevrolet/Opel Vectra A. A origem do projeto do Daewoo Espero está no Opel
Kadett E. Agora, uma pausa para esfriar os neurônios após ler e ouvir por
aproximados 25 anos de que o Espero era um Monza com design diferenciado...
Voltemos!
Parece um
bocado petulante refutar uma informação replicada a mais de duas décadas e,
parando para pensar, realmente é. Mas mostrarei a seguir fotos, um
pouco de história da Daewoo e definição de conceitos para sustentar meu
argumento. Creio que as fotos apresentadas a seguir serão o que mais
fortalecerão a afirmativa apresentada no terceiro parágrafo. No entanto, as
fotos são de baixa resolução e eu jamais tive oportunidade de tirar fotos e
medidas detalhadas de um monobloco de Daewoo Espero, muito menos de um Kadett
sedan. Portanto, a conclusão aqui apresentada ainda pode ser confrontada com
novas informações não apresentadas neste texto.
Inicialmente,
é necessário definir o que é uma plataforma: Ela é composta basicamente pelo
piso do carro, a parede corta-fogo, as longarinas e as caixas de roda. Ou seja,
é basicamente a estrutura onde são fixadas as partes mecânicas do carro, como o
sistema de direção, suspensão e conjunto motriz. Consequentemente, carros com
mesma plataforma costumam usar componentes mecânicos iguais, ainda que,
externamente, o design da carroceria seja distinto um do outro. O uso de
plataformas reduz consideravelmente os custos de desenvolvimento de um novo
automóvel, bem como permite que o processo de criação de um novo modelo seja
abreviado. Plataformas automotivas recentes como a MQB, da Volkswagen, ou a
Subaru Global Platform, da Subaru, foram criadas já levando em consideração
possíveis mudanças nas medidas do entreeixos e da largura no desenvolvimento de
carros de diversos segmentos utilizando a mesma plataforma.
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Uma
plataforma automotiva atual. Na foto, a Subaru Global Platform (foto: ch.nicovideo.jp) |
É
importante salientar que em uma plataforma automotiva que tenha sido fabricada
por uns 20 anos, como no caso da Fiat Strada, o monobloco de uma Strada 1998
não será exatamente igual ao de uma Strada 2018. Neste intervalo de tempo,
novos materiais podem ser usados no processo produtivo, bem como alterações
pontuais podem ser realizadas, como a introdução de novos pontos de soldas ou
adição de elementos para reforços estruturais, o que resulta em um produto de
qualidade superior em relação ao que foi projetado inicialmente.
Definido
o conceito de plataforma, podemos então começar a desconstruir a seguinte
afirmativa: "O Espero é um carro da plataforma J, e portanto, derivado do
Monza". Isto significa que, para um estar relacionado ao outro, é
necessário que componentes estruturais sejam identicos ou bem similares. Itens
como longarinas, parede corta-fogo, pontos de ancoragem da suspensão e o
projeto de suspensão deveriam ser idênticos ou extremamente parecidos entre
Monza e Espero.
- Analisando monoblocos
Vamos
começar pelo cofre do motor, mais especificamente onde o amortecedor dianteiro
é preso no monobloco. No Chevrolet Monza, o coxim superior do amortecedor é
composto de três prisioneiros, dispostos num ângulo de 120 graus. No Daewoo
Espero, são apenas dois prisioneiros no coxim superior e seu design é o mesmo
do Kadett E. Desta forma, a torre do amortecedor de Monza e Espero são
diferentes. Nota-se também, no caso do Espero, um leve deslocamento, em direção
à traseira do carro, do ponto de fixação do amortecedor, que permite um ângulo mais negativo de cáster. O ângulo de cáster do Espero e do Kadett são
idênticos, mas diferentes do Monza.
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Torre
do amortecedor do Monza na esquerda, Espero ao centro e Kadett na direita
(fotos: mercadolivre.com e ria.com) |
A
ancoragem das balanças inferiores da suspensão dianteira também são distintas
entre Monza e Espero. No Monza, cada balança está conectada à uma travessa
longitudinal que se estende da extremidade da longarina, na junção com a parede
corta-fogo, e a dianteira do carro. No Espero e no Kadett, a balança é presa diretamente ao
reforço estrutural soldado à lateral da longarina. Já a longarina em si, é mais
retilinia no Monza. No Kadett e no Espero, apesar de terem o mesmo formato
quando vistas de perfil, há diferenças no desenho das longarinas quando vistas
de cima.
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Longarina, por dentro, lado direito. Monza na
esquerda, Espero ao centro e Kadett na direita (fotos: user Diego Paiva|forum.monzeiros.com e ria.com) |
Na parede
corta fogo, a região que envolve o eletroventilador do sistema de climatização
e a caixa evaporadora são bem similares entre Monza, Kadett e Espero, não sendo
possível, por fotos, notar maiores diferenças. A mesma situação se repete nos
pontos de fixação da caixa de direção. No entanto, a região que fica logo atrás
do servofreio é bem diferente. No Monza, a chapa tem diversos furos, cada um
passando um elemento que liga o interior do carro ao cofre do motor. Já no
Kadett e no Espero, há uma grande placa preta, com diversos orificios, que pode
ser removida. Outra diferença está na parte inferior da parede corta fogo. No
Kadett e no Espero, a barra estabilizadora é presa em dois pontos da parede
corta fogo. No Monza, a barra estabilizadora está presa no assoalho do carro,
praticamente na porção inferior das longarinas.
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Parede
corta fogo, com marcações em verde evidenciando semelhanças e em vermelho,
evidenciando diferenças. foto 1: Monza. foto 2: Espero. foto 3: Daewoo Nexia (Kadett sedan). foto 4: Kadett.
(fotos: User Marcel Murai/forum.monzeiros.com e ria.com) |
No
assoalho, a principal diferença entre Monza e Kadett/Espero é o reforço
estrutural transversal que fica embaixo dos bancos dianteiros. Também é possível
notar diferenças no desenho das nervuras nas seções planas do assoalho entre
Monza e Kadett/Espero. Cabe lembrar que o Espero possui entre-eixos maior que o do Kadett. O incremento em tal medida foi possível com a adoção de uma extensão aplicada entre as colunas B e região onde se situa o assento do banco traseiro.
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assoalho do Monza na
esquerda, Espero ao centro e Kadett na direita (User avvsilva/forum.monzeiros.com e ria.com) |
Na região
do porta malas, Kadett e Espero possuem uma travessa transversal que separa o
assoalho da mala do habitáculo de passageiros, item não presente no Monza.
Outra diferença fica por conta do formato da chapa de aço que envolve
longitudinalmente a caixa de roda traseira. O alojamento do estepe, no entanto,
parece ser similar entre ambos os modelos.
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Porta
malas do Monza na
esquerda, Espero ao centro e Kadett sedan na direita (foto: monza1992blogspot.com e ria.com) |
- Por que plataforma J?
Após
diversas fotos evidenciando as diferenças entre Espero e Monza e, ao mesmo
tempo, mostrando as similaridades entre Espero e Kadett, pergunta-se por que é
informado, erroneamente, que o Espero deriva do Monza. Provavelmente, parte da
confusão criada tem a ver com o fato de
que o código do chassi do Espero começa com "KLAJ" , sendo esta
quarta letra a identificação de um carro que utiliza a plataforma J dentro do
grupo GM. Ou seja, todo Monza, Cavalier, Camira, Ascona C, Cimarron e outras
diferentes identidades do nosso Monza possuem o código do chassi com a letra J
no quarto digito. Já no caso do Opel Kadett E e suas diferentes versões, a
quarta letra do chassi é a letra T. Porém, cabe ressaltar que na plataforma J,
há grande diferença entre sua primeira fase, fabricada até 1994, e a fase
posterior, iniciada em 1995 com a nova geração do Chevrolet Cavalier e que seguiu em produção somente nos EUA.
Longarinas, assoalho, parede corta-fogo e suspensão são completamente distintos
entre as duas gerações de plataforma.
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Chevrolet
Cavalier 1996. (foto: fonte desconhecida) |
Outro
ponto que corrobora para o fato de não haver semelhanças entre Monza e Espero é
a própria história da Daewoo. Tendo adquirido o controle da endividada Saehan
Motors em 1982, a linha da Daewoo Motors era composta pelo modelo Maepsy, uma
versão local do Opel Kadett C, conhecido no Brasil como Chevrolet Chevette e o
Daewoo Royale (versão local do Opel Rekord E). Em 1986 o Maepsy foi substituído
pelo Daewoo LeMans, versão local do Opel Kadett E.
O Daewoo Espero, lançado em
1990, foi o primeiro carro com design criado por um estúdio italiano para a
Daewoo. Seria muito custoso para a montadora criar um novo modelo baseado em um
projeto de engenharia de um carro que ela nunca fabricou, como o Opel Ascona
C/Chevrolet Monza. Faz sentido, portanto, que a Daewoo tenha iniciado o projeto
de um novo carro a partir de um modelo bem conhecido, com custos de processo de
manufatura amortizados, que era exatamente o caso do Daewoo LeMans sedan. A
mesma fórmula foi utilizada posteriormente na criação do Daewoo Super Saloon/Ace,
que utilizava o projeto de engenharia do Opel Rekord E, mas com um design
desenvolvido dentro da Daewoo.
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Daewoo
Maepsy, Royale e LeMans (foto: divulgação) |
- Nem
Monza, nem Vectra
Algumas
pessoas costumam ligar o Espero ao projeto do Opel Vectra A. Tal confusão
ocorre provavelmente por causa de dois fatos. O primeiro é que o conjunto
motriz de ambos os carros é virtualmente o mesmo, inclusive as relações da
caixa de marchas. O outro fato se deve à uma declaração da importadora oficial da
Daewoo para o Brasil na ocasião de lançamento da marca no país, conforme
registrado no Jornal "Folha de São Paulo" em 20 de março de 1994:
"Com design que lembra muito os carros da GM, o Espero utiliza a mesma
plataforma usada no Vectra, segundo a importadora oficial." Tal comparação
também foi repercutida pela revista Quatro Rodas no teste do Espero, realizado
em novembro de 1994. No entanto, o Vectra apresenta um projeto mais atual
que o do Kadett e do Monza, contendo alguns avanços de engenharia, como a
adoção de um subchassi dianteiro.
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Monobloco
de um Vectra A (foto: ria.com) |
Sendo assim, o Daewoo Espero é quase uma salada. Projeto do Opel Kadett E, com pitadas de engenharia sul coreana e design italiano. Semelhanças com o Monza? Só algumas peças que definitivamente não o categorizam como um produto da plataforma J.